quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

IMPRESSÕES IMPRECISAS

A dose de paciência absurda do caramujo
Os dose meses do ano
A dose etílica que não sacia.
O passo da tartaruga
A pressa da lebre
Meu grito de fome
minha indecisão
minha espera constante
O não realizado
O realizável a longo prazo
O peso do prazo
O prazer do fazer
fazer prazer.
Meu trago
meu estrago
o que trago
desfeito o efeito
é feito fobia
fim.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

A CURTA E TRISTE HISTÓRIA DA PROFUNDA SOLIDÃO DE EVERALDA


Chegou esbaforida no trabalho por conta do atraso a que o trânsito e as constantes paradas do coletivo a submeteram. Como a porta principal da seção já estivesse fechada contornou o prédio e entrou por uma porta lateral sem que a encarregada a visse chegar atrasada. Posicionou-se em seu posto e começou a dobrar, com uma máquina específica para tal função, umas chapas imensas que seguiam a linha de montagem para que outro operário desse prosseguimento ao trabalho.

Esmerada trabalhadora e típica expoente das populações mais pobres desse país, Everalda Santíssimo do Rosário via o sol nascer dentro do ônibus a caminho de seu trabalho. Enquanto longínquos cantos de galos se propagavam não sabia de onde naquela imensa cidade, embalada por uma espessa madrugada ela se levantava só. Preparava um café para si e para os três filhos que ficavam dormindo no pequeno barraco. Também só, seguia até o terminal numa silenciosa caminhada de um quarto de hora e tomava o coletivo, lotado, é claro. Quando baldeava para outro coletivo uma hora depois os primeiros raios de sol começavam a driblar os tantos prédios e a vencer as muralhas das grossas nuvens de poluição. Às seis horas da manhã já estava em sua seção na firma e às seis e meia, largos filetes de suor escorriam de sua enrugada testa. Ao meio dia soava a sirene para o horário do almoço e a seção se convertia em um provisório silêncio em que os operários seguiam como rezes de uma manada para o refeitório para que pudessem consumir sua ração diária. Nessas horas, Everalda pouco se misturava, recolhia-se a um canto, geralmente sozinha, numa mesa desocupada, abaixava a cabeça e consumia o conteúdo de sua marmita preparada na noite anterior sem desviar os olhos ou trocar uma palavra com ninguém.

E nesse dia, foi depois do almoço, faltando pouco para que acabasse seu turno, que começou a sentir uma forte dor no peito. Sua visão escureceu e em seguida teve uma vertigem. Apoiou-se na máquina para não cair. Sua respiração foi ficando cada vez mais curta e a terrível dor se prolongou até o braço esquerdo. Everalda jamais entenderia que estava tendo um infarto. Pensou de relance nos filhos e na velha mãe que morava num barraco contiguo ao seu, mas abandonou seus pensamentos, afligida pela crescente dor que a sufocava. Foi se sentando no chão da fábrica enquanto sucumbia lentamente sem que nenhum colega a percebesse.

Everalda sempre fora mal tratada pela mãe, desprezada pelos filhos; foi abandonada pelo marido com suas crianças ainda muito pequenas; não tinha amigos e se ainda tinha um emprego era por que dura mas maleável envergava, mas não quebrava-se nunca. E pela primeira vez em sua vida, naquele instante extremo experimentou o peso profundo da palavra solidão que a golpeava ainda mais fortemente e fatalmente que aquele infarto fulminante. Tal qual vivera, morrera abandonada. E só.

Em casa sentiram pouca ou nenhuma falta de Everalda imaginando, ironicamente, que tivesse dormido na casa de alguma conhecida. Seu corpo foi encontrado sentado em seu posto de trabalho dois dias depois quando já cheirava mal. Everalda foi enterrada como indigente em uma cova rasa pois as pessoas da empresa não sabiam onde morava, nem se tinha família. E sua família nunca mais teve notícias dela imaginando como tinha sido ingrata em abandoná-los a própria sorte.