segunda-feira, 22 de novembro de 2010

SUMA, DIGO, SUMO PONTÍFICE!


Estive ponderando mais cedo e tive que escrever sobre o assunto. O Ricardo Kotscho, conhecido blogueiro, disparou nessa manhã um texto intitulado “Quem ainda segue o que diz Bento 16?” Pensei primeiramente em responder num comentário às suas observações que achei bastante pertinentes, aliás, fica aqui um elogio, ele é sempre muito coerente com o que publica no blog. Mas logo em seguida desisti. Li alguns comentários e me assustei com a quantidade de vozes inflamadas em defesa do sumo? pontífice. Em seguida pensei, vou postar no meu humilde espaço que ao menos posso moderar os comentários... (risos).

Perdoem-me os fervorosamente católicos, mas o papa é a coroa do anacronismo católico engessado em dogmas e preceitos que não vão muito além do ritualístico. Um modelo medieval que perdura no século vinte e um. O papa há muito deixou de ser uma figura espiritual e transita hoje entre o meio político e pop como dizia uma canção dos anos oitenta. Tal qual um nababo, vive num palácio construído a custo do trabalho e das riquezas dos fiéis, mergulhado em túnicas tecidas a ouro totalmente distante das questões e dúvidas de seus fiéis seguidores. Ocupado em súmulas e encíclicas desconhece os reais conflitos e necessidades dos católicos atordoados com esse mundo veloz a que a igreja vem sendo incapaz de responder a altura.

A inutilidade do seu comentário sobre a utilização de camisinhas por prostitutas dá a dimensão da inaptidão da igreja em questões de cunho verdadeiramente espiritual, como se as questões do espírito fossem governadas por um mundo que cada vez mergulha no efêmero e material. Não admira que a igreja perca cada vez mais fiéis.

Em tempo, um questionamento que sempre me vem a cabeça, e detesto terminar textos com perguntas, mas se Jesus Cristo viesse hoje ao mundo, misturar-se aos esfomeados, com os doentes, com os flagelados pelas guerras nos muitos campos de refugiados pelo mundo, enfim com as prostitutas – que hoje, a igreja enfim entende que usem camisinha – bem, para esse Cristo, quem hoje estaria no papel dos fariseus?

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

UMA MORTE FAMILIAR

Naquela tarde Norberto Perpétuo Vivêncio estava mais uma vez em sua pequena oficina no fundo da casa mergulhado em sua relojoaria improvisada. Era seu lugar preferido desde que se aposentara. Passava a maioria do tempo sozinho enquanto a esposa trabalhava numa fabriqueta de biscoitos e os dois filhos estudavam numa cidade vizinha. Aquela maquinaria antiga de relógios dos mais variados tipos era seu refrigério; consertava relógios por puro prazer, de favor para amigos e conhecidos, sem deles tirar o menor ganho que não fosse perpetuar o ofício que aprendera do avô ainda muito moço. Envolvido no desmonte intricado de um velho relógio de bolso, ouviu uma seqüência de palmas no portão da frente. Acudiu ao portão e deparou-se com uma senhora jovem, trajando um vestido preto, decote recatado e cabelos encaracolados. Não deveria ter mais que seus vinte e dois anos, mas seu ar sério e uma tristeza soturna em seu olhar castanho lhe conferiam uma aparência de idade mais avançada.

— Pois não senhora? – atendeu ao portão Norberto.

Ela estendeu a mão e o cumprimentou:

— Boa tarde! Senhor Norberto?

Ao toque daquela mão fria Norberto num átimo reconheceu, sem que nada nem ninguém o dissessem que aquela inusitada visitante era uma emissária da Morte. Como ficara paralisado de estupefação e terror Norberto foi conduzido até a oficina pela pequena mulher como se fosse um menino puxado pela mão da mãe. Quando acordou de sua catatonia tinha o anjo da morte sentada placidamente em sua frente fitando-lhe com uma olhar maternal e uma curiosidade infantil. “Não estou pronto” exclamou, “Nunca estamos” devolveu a mulher. Disse a Norberto que não se exaltasse e que ficasse tranqüilo pois não aconteceria nada que não quisesse. Em seguida explicou-lhe calmamente que no mundo existem pessoas que só morrem quando realmente aceitam que não são eternos, e que para esses a Morte sempre reserva uma maneira inesperada de fazê-los enxergar isso.

Ainda bastante assustado, pediu a jovem senhora que fosse embora e que não voltasse mais. Ela contra-argumentou que poderia atender seu pedido em parte indo embora, mas que inevitavelmente voltaria. Levantou-se e com a mesma serenidade com que chegara, partiu com passos curtos e apressados de quem tem algum compromisso.

À noite, no jantar, Norberto nada comentou da estranha visita com a família, mas todos notaram que estava mais calado, taciturno, mergulhado com seus pensamentos. Tinha ponderado longamente sobre as palavras daquela mulher e concordou em verdade, que jamais havia passado por sua cabeça o inevitável fato que fosse morrer. Era até então imortal. Como não podia imaginar o que havia do outro lado essa incerteza o aterrorizava. Desde muito cedo aprendera a lidar com os problemas tangíveis da vida e era raro vê-lo abatido, entristecido ou sem capacidade para enfrentar qualquer problema. Era um bom vivedor nato. Não estacava ante as dificuldades e seus abatimentos não eram mais que instantes de reflexão sobre um novo modo de transpor qualquer obstáculo.

Para seu tormento, conforme informara a pequena emissária as visitas continuaram. Chegava sempre à tarde, na mesma hora com uma pontualidade que exasperava Norberto. No princípio detestou aquelas visitas e tentou mais de uma vez expulsa-la de sua oficina. Aos poucos foi acedendo as investidas e foi perdendo o medo. Primeiro passavam as tardes um olhando desconfiadamente para o outro, e Norberto foi voltando lentamente a fazer seu trabalho com os relógios ao mesmo tempo em que foram estabelecendo uma amizade silenciosa que aos poucos converteu-se em conversas e entrevistas cada vez mais sinceras. Conversavam sobre coisas da vida e da morte, é claro.

Por conta de seu senso prático Norberto fazia diversas perguntas sobre como seria o outro lado a que a morte sempre respondia de uma maneira que ele sempre achava um misto de confusão e evasão floreado de alguns elogios furtivos que não permitiam que tecesse um julgamento realista sobre o que de fato existia além da vida. Percebeu que apenas ele via e interagia com aquela pequenina mulher pois nos fins de semana, sempre que estava com os amigos ou com a família divertindo-se, bebericando uma cerveja ou jogando dominó era comum que ela chegasse por perto, permanecesse ao seu lado ou próximo a ele apenas observando com um olhar tranqüilo e de satisfação.

Norberto estava conformado com essa estranha situação, e como não tinha a menor intenção de morrer apenas se permitia visitar pelo anjo da morte todos os dias na mesma hora da tarde. “Vou vencer pelo cansaço”, pensou. Convencido de que não iria se convencer da aceitação da morte acreditava que agora era verdadeiramente um imortal.

Como não conseguia obter informações precisas do outro lado começou a recordar de alguns amigos e parentes que já haviam dobrado a página da vida e passou a perguntar por eles, queria notícias e pareceres. A emissária da morte respondia sempre que podia ou tinha informações. Motivado por sua objetividade sobre-humana Norberto não foi imbuído por nenhum sentimento de saudade ou nostalgia, queira na verdade entender a continuidade da existência sem o que conhecemos como vida. Mas as notícias da morte também se tornaram superficiais e insatisfatórias. Apenas comentários sem detalhes, “fulano está bem, mandou lembranças” etc. Norberto foi perdendo o total interesse e as visitas ostensivas não mais lhe causavam o menor abalo no ânimo.

Certa noite acordou sobressaltado por um sonho. Fazia dois anos que a sua mãe havia morrido por problemas de saúde. Curiosamente, em todas as suas entrevistas com a emissária da morte jamais teve em mente pedir notícias de sua amada mãe. Naquela noite acordou num susto, angustiado pela memória que o sonho havia despertado bem como da vivacidade e realidade da conversa que tivera com sua mãe. No sonho, Manuelita Perpétuo, sua mãe estava muito triste e reclamava da saudade que sentia de todos, sobretudo dos filhos e em especial de Norberto, que sempre fora um filho muito amável e prestativo que sempre se sacrificou para acudir a sua mãe no que julgasse necessário. Perguntada sobre que lugar era aquele onde conversavam, Manuelita disse ao filho que era uma espécie de sala de espera, um lugar indefinido de formas terrestres que se convertia em campos, salas, praias na velocidade em que iam conversando ou seus ânimos fossem se alterando. Ainda inundado de saudade e com muitas dúvidas sobre como estava sua mãe Norberto despertou ofegante. Não dormiu mais e foi surpreendido por uma manhã nublada enquanto fazia café que ainda mais abateu o seu espírito mordido pela saudade materna.

Pela primeira vez esperou ansiosamente pelo anjo da morte. Naquela tarde quando a misteriosa emissária entrou pela pequena porta da oficina Norberto disparou:

— Quero saber da minha mãe!

— Sabia que me perguntaria isso. Mas vou ter um pouco de trabalho. Pelo que sei sua mãe está na sala de espera e como são muitos na mesma condição vou precisar de uma foto para reconhecê-la.

Norberto achou curioso que para localizar um espírito um anjo necessitasse de uma foto, mas não teve dúvida. Deixou sua visitante em sua oficina e entrou na casa onde permaneceu um longo tempo revirando armários e caixas de fotografias e álbuns de memórias. Meia hora depois estava de volta com o resultado de sua coleta, uma caixa de sapatos cheia até a metade de fotografias de sua finada mãe.

— Aqui está. Não quero arrodeios dessa vez. Tive um sonho com minha mãe esta noite e não há quem me convença que ela está bem. Preciso saber como ela está, se está precisando de mim.

A pequenina visitante apanhou a caixa de sapatos com as fotografias que havia sido deixada sobre a mesa e começou a visualizá-las lentamente. Apanhando uma a uma e as passando a Norberto. Ele exasperou-se com a falta de pressa e o aparente desdém com que o anjo da morte tratou sua mãe e seu sentimento de preocupação. Norberto agora lembrava-se vivamente o quão dolorido foi para ele a perda de sua mãe, primeiro o sofrimento com sua doença, os esforços para curá-la e a triste tarde de uma quinta-feira outonal em que sua mãe partiu desse mundo sucumbindo a uma doença que fizera com que seu último pedido fosse um copo d’água.

Começou a apanhar cada fotografia repassada pela desdenhosa emissária e as olhava com ternura motivado por uma saudade avassaladora pela qual havia sido arrebatado depois do sonho. A certa altura o anjo da morte entregou-lhe uma fotográfica antiga, amarelada pelos muitos anos guardada. Ao contemplá-la Norberto sentiu como se tivesse sido atropelado por uma manada de bois. Em seguida um arrepio correu por sua coluna. Era uma foto de sua mãe ainda muito jovem, de antes do casamento com seu pai; sua mãe trajava um vestido preto, decote recatado e cabelos encaracolados. Não deveria ter mais que vinte e dois anos, mas seu ar sério e uma tristeza soturna em seu olhar castanho lhe conferiam uma aparência de idade mais avançada. Sentiu que iria desmaiar. Havia todos aqueles dias encontrado diariamente com sua mãe na forma de uma emissária da morte e naquele instante não importava para ele viver ou morrer. O mundo havia parado naquele exato instante onde num salto abraçou fortemente sua mãe a quem julgava que jamais tornaria a ver. O toque gelado daquela pequena mulher havia desaparecido e estiveram abraçados e se dissolvendo em lágrimas durante um longo período.

No fim do demorado abraço, Manuelita olhou ternamente para seu filho Norberto. Estendeu-lhe a mão a que ele retribuiu entrelaçando os dedos de sua mão aos dela. Saíram pelo portão da rua deixando a casa toda aberta para estupefação dos que chegaram mais tarde e não encontraram Norberto. Seguiram caminhando lentamente pelo meio da rua deserta que a essa hora era iluminado por um sol avermelhado e fugidio que principiava a se esconder no horizonte. Viraram a esquina e desapareceram. Norberto Perpétuo Vivêncio não tornou a ser visto.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

NOCAUTE TÉCNICO


Enfim, acabou. Foi soado o gongo do ringue eleitoral com uma vitória por nocaute técnico de Dilma Roussef. Nocaute técnico por que sua maioria atingida é questionável diante de mais de 29 milhões de abstenções comparada com uma vantagem de cerca de 12 milhões de votos que foi o que consolidou sua vitória frente ao candidato tucano. Esse volume extraordinário de abstenções denuncia uma falta de alinhamento ou pelo menos uma total indiferença pelos postulantes que permaneceram na disputa por grande parte dos eleitores.

Como foi a eleição dos sem carisma a vitória de Dilma reside justamente num ponto onde pode estar plantada a derrota de José Serra. Com méritos pessoais produzidos por ser componente de um governo amplamente aclamado, liderado por um presidente que deixa o mandato com mais de 80% de aprovação, Dilma teve sua vitória construída nos calcanhares do presidente Lula, seu magnetismo pessoal e sua impressionante habilidade em arrebatar as multidões.

Também de baixo carisma, Serra, um personagem mal construído pelo PSDB traz consigo de maneira fortemente entranhada a rejeição dos governos FHC, sua política de privatização impopular e sua baixa capacidade em transferir riqueza para as  classes desfavorecidas. Corrigindo, o personagem não foi tão mal construído assim, pois ainda atingiu 44% das intenções de voto; os marketeiros agiram com muita habilidade transferindo para a cena do debate eleitoral questões de cunho moral e religioso transformando nossa disputa presidencial num circo mais parecido com uma eleição norte americana.

No entanto, a rejeição dos dois é latente. Lula transferiu boa parte de sua capacidade de atrair votos para sua sucessora, porém, temos de observar que apesar de seus mais de oitenta por cento de aprovação, Dilma não atingiu 60% da aceitação do eleitorado. Serra por sua vez não conseguiu angariar os tão necessários votos de Marina Silva. Nem mesmo em Minas, onde o seu mais forte cabo eleitoral Aécio Neves foi incapaz de garantir sua vitória no segundo maior colégio eleitoral do país.

Bem, carisma, empatia, serve muito bem para ganhar uma eleição, mas é com muito mais que se governa um país. Para Dilma a prova de fogo começa agora em que terá de assegurar unidade em sua ampla e diversa base de apoio. Deverá lembrar que cada grupo ou partido reclamará seu quinhão e isso poderá complicar o meio de campo para manter o lema de construir o “Brasil, um país de todos”. Aos tucanos, meus pêsames, ainda colhem os frutos de oito anos de um governo impopular e com poucas perspectivas aos mais necessitados. A Dilma fica o desejo de boa sorte, lembrando que devemos ficar atentos, tanto os que votaram contra, mas principalmente os que votaram a favor. A responsabilidade do Brasil que se construirá não é apenas da Dilma, é de cada um de nós.