segunda-feira, 27 de maio de 2013

CORTIÇA

Salpico de sol
meus dias de chuva

minha força guardo
em xícaras de café

seus escrúpulos de botequim
traídos por retina

de menina
meus versos de ancião

numa manhã de inverno
solstício de verão

Eu te digo
pra não convencer

digo pra vencer
essa reticência

que congela meu oxigênio
que engasga

minha fala infantil
que apaga meus desenhos de junho

Venci falante
essa procela calada

que revolve
esse fundo

que retira esse lodo
das paredes brancas?

Chove no deserto
se eu vou?

se tu vais?
tampouco isso importa

o que mais interessa
é a verdade que boia

como a cortiça
maciça

em nossa bacia
transborda agua fria.

quarta-feira, 22 de maio de 2013

JUSTA COROAÇÃO

A Rainha partiu
num noite morna de maio.
Como que posso ouvir
seu mais usual bordão
"Quando eu partir..."
Quando partiu
partiu ao meio
o reino e a história
que história contaremos?
que reino viveremos?
Tuas mansas manhãs
teu sertão divisado
teu terreiro tão limpo
sempre a vigiar o carcará
que não vinha.
Tuas tramelas fechadas
teu fogão sempre aceso
tuas panelas de antanho
tua tecnologia
tua primeira eletricidade
partiram contigo
ficamos com ecos
à sombra da Rainha que partiu.
Quando partiu
atônitos pensando um recomeço
reconheço
que não há fim
em teu reinado
há muito que ser feito
há muito que ser contado
teu reino essência
de panos, pó, tua antiga louça
fica impregnada
no todo e no nada
do teu vasto sertão
espalhado por nós.
Quando me olho no espelho
de teu reinado
vejo propagação
vejo a tua Vargem
que se multiplica
teu olhar sereno e sério
prelúdio de reprovação
teu toque manso e firme
tua sábia observação.
Mais é chegada
do que partida
apenas uma ferida
se cristaliza
enterniza teu reinado
deixando um breve
doce-amargo
por saber sábia Rainha
que ainda é maio
e tua chegada
em novo reino
é tão sentida
não entendemos
só entendemos
como partida.

terça-feira, 21 de maio de 2013

COMPLETO

o completo

é incompleto
se tem agora
pode faltar na hora
que o inútil sobra
e que útil torna
quando cobra
a hora repleta
quando completa
de encher o saco
de encher a tampa

e vazio

é o completo
o perfeito
é cruel
na voz do poeta
no braço do atleta
o segundo sobrante
incompleta
o incompleto esforço
tão pouco faltou
para o triunfo

completo

é o incompleto
o imperfeito
é bom
no grito do poeta
a ruga que vinca
a falha cativante
completa
o completo encanto
desse e de outros
cantos
incompletos

domingo, 12 de maio de 2013

O GRITO

que vontade de gritar

os efeitos etílicos passaram
ficaram os sintomas

o tédio e o amargo
do vazio
que digo
numa canção
triste
no azul nostálgico
de uma tarde de domingo

as fotos tem o cheiro
os perfumes ecoam

mas é domingo
e o brilho dorme nos olhos
os olhos dormem no escuro
o escuro escoa no grito

assim manso
numa noite morna
de domingo

de domingo
domado
conformado?

a canção repete
na mente
repete no ar
nas ondulações harmônicas
de acordes
que apaziguam

silêncio

deitado de olhos fechados
grito e silêncio
se encontram no ar

que inusitado casal
quebra silêncio e harmoniza
e fecha o domingo sem graça
com a graça
de garça
dos encontros inusitados

quarta-feira, 8 de maio de 2013

REVIRA

à beira da virada
mas ainda não é a hora
a próxima
e permanente
não sem ansiedade
que nada ajuda
ouço fino agudo
as batidas do ponteiro
mas ela virá
a hora virá
com badaladas surdas
sem alarido
o que ouço agora
são murmúrios
sussurros
que antecedem o grito
um apito passa na rua
longe
à porta batidas inúteis
talvez cheguem as contas
talvez não cheguem
há tanta coisa paga
e há tanta pra pagar
mas ainda à beira da virada
à margem do porvir
um compaço cego
desenha uma curva no ar
não percebo
não decifro
apenas entendo
as mudanças mudas
são as mais belas
ainda que terríveis
mas a hora, ora
ainda não o é
ainda é mais talvez
no incerto que flutua
sua curva mágica
apenas a virada
é ainda uma certeza
como a certeza curva
indefinida
do seu traço indescritível
no gira mundo
sem hora
sem cabeça
eu feito
desfeito e imperfeito
apenas à margem do rio
que vira a vida vadia
navega a margem
e espreita
espera vivendo manso
que ainda não é a hora
nem do que queira
nem da beira
nem da virada.

terça-feira, 7 de maio de 2013

TOLA ESFINGE

Maria decifra o mundo
em três simples perguntas

Por que perguntas Maria?
pergunta João atônito

Maria justifica o mundo
com três singelas respostas

Mas se já sabias as respostas
o por quê das perguntas confundia João

Maria dobrou seu papel
e dormiu o sono dos justos

João deu de ombros
com um milheiro de respotas à mão

e dormiu...
já que nehuma servia à Maria.

segunda-feira, 6 de maio de 2013

INVENÇÃO DE CINEMA

quem te inventou?

unida
três
em única mistura

sorriso
membros
saliva e plasma

tudo invenção
tudo sonho
em que tudo ponho
momento
e inspiração

como se chama?
como é que a chama
que a tudo inflama
se apagará?

ainda é cedo
eu dizia
e tão tarde
você virá?

fique guardada
imaculada
em sua mistura
e proporção

bem sei
e tu o sabes?
é pura, simples
total e plena
e tão somente
uma invenção.

quarta-feira, 1 de maio de 2013

DIA DO TERCEIRO

Dia
do trabalho?
ou do trabalhador?

Há o primeiro?
sem o segundo?

se o segundo
passa
num movimento
suor
alienação
se com a ação
tudo dá forma
e se transforma
seu mundo

ao primeiro também conforma
dá o sentido
dá substrato
ao abstrato
concreto
a ideia
humana invenção

exortação
ao negócio
negar o ócio
tributo bruto
onde o esquema
lógica do sistema
nossa nova servidão

Então uní-vos
salve o dia do terceiro
salve o dia do patrão!