segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

ASAS DE BORBOLETA

Enquanto desfilas
imprudente
tua fascinação
numa noite etílica

mergulhada num balde de razão implacável
te contempla como a um menino
sem desprezo ou enfado
mais fuga na permanência
de estar sempre se esquivando

mais que o brilho caramelo com que olhas
sem surpresa
sem empáfia
tua comum história comum
é o ponto chave
sem levantar comiseração
te embeleza
ao ponto do convencimento
ou do vencimento
pelo cansaço
pelo risco
de ir vivendo
sorvendo
os olhares que arrasta

e se deixa caídos
e permanecem
como bolas de gude
como bilhas de aço
inanimação
de tua animação
não te ocupes

como flor gasosa
evapora
riscando o ar
num olor
que fica
na mente
fica?

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

O VAZIO VALE DE UM RANCHO

E foi numa madrugada silenciosa
de um verão chuvoso
que teu vago império
teu Rancho do Vale,
tua terra dos discos,
tua Discolândia,
amanheceram vazios
de tua voz poderosa
de tua corpulência sempre andante.
Tuas tantas histórias
tuas vastas plantações
teu tudo superlativo
cultivados no teu ar sério
quase ranzinza
sempre nostálgico
no contar de tuas andanças
em tuas viagens
dos lugares que andou
e outros que parecia conhecer
com o que encantava os tabaréus que te visitavam
diariamente
em seu Mercado-palácio
sentado em teu Trono-tamborete
dizendo no capricho de tuas histórias
o mesmo capricho com que edificava tuas pequenas coisas
tua casa bonita, sempre caiada
tua roça verdinha
tuas pinhas do inverno
laranjas de ano inteiro
teus exóticos feijões
teus milhos e mandiocas
suas crias perfeitas
novilhas leiteiras
carneiros de lã
piabas carnívoras
tuas plantas do sul.
Do teu trono, com que nos recebia
de bochechas roliças
com teu riso-galhofa
teu abraço tão forte
com qual perdíamos o ar
contava as sentenças jornalísticas
das quais bebia em teu almoço
em grandes talagadas
refastelado em teu sofá de nababo.
Em teu pequeno Vale
valia-se de um latifúndio
pra nos alimentar
do resgate
do gosto das coisas da terra
talvez de uma saudade sua
talvez de uma saudade nossa
das coisas do sertão passado
para as coisas do sertão futuro.
Fosse inverno ou verão
estiagem ou chuvoso
teu rancho frondoso
sempre verdejou
por teu cantar absurdo
ou tua incansável labuta...
saber agora,
depois de uma madrugada silenciosa
de um verão chuvoso,
tu que sempre foste estrondoso
partiu também no silêncio
dos teus discos que não mais tocam
e teu Vale que queda nos tabuleiros
de um sertão que espreita soturno
tua madrugada que não amanheceu.