segunda-feira, 31 de outubro de 2011

SER GAUCHE NA VIDA


Quando Drummond morreu, eu era um garoto de nove anos de idade. Não me interessava por literatura e menos ainda sabia o que era poesia. Lembro da notícia na TV falando de sua morte. Não recordo os detalhes nem as circunstâncias; fiquei apenas com a imagem daquele homem carequinha com um leve sorriso paternal nos lábios.

Meu primeiro contato com poesia apenas aconteceria três ou quatro anos depois, na quinta ou sexta série, daquilo que alguns ainda chamavam ginásio. Se não me trai a memória, nas aulas de português, lemos textos de Vinicius, a letra de Asa Branca do Luiz Gonzaga e um poema de Cecília Meireles de que gostei muito – Colar de Carolina, esse tive que pesquisar por que apesar de ser o que mais gostei não recordava do título, apenas trechos dos versos. Drummond só viria mais tarde, em 1997 num reencontro com Cecília.

Em um projeto, durante o ensino médio eu, e mais uma meia dúzia de colegas montamos uma mostra de nossos pueris poemas em um evento realizado pela escola. Dentro da programação, durante três dias, encerrávamos a mostra com recitais e escolhemos três autores para selecionarmos os textos: Castro Alves, Cecília Meireles e Carlos Drummond de Andrade. Fora Castro Alves, eu fui responsável por escolher os textos de Cecília e Drummond. Uma professora, orientadora do nosso trabalho, me emprestou dois volumes para que eu escolhesse os poemas do recital. Eram as obras completas dos dois poetas numa edição de luxo da José Olympio, em papel bíblia muito bem acabada. Gostei muito de Cecília e seu mágico lirismo, como gosto até hoje, mas fiquei irremediavelmente apaixonado por Drummond. Seus versos falavam comigo diretamente, dialogavam e refletiam tacitamente as angústias de meu coração adolescente como hoje ainda dão vazão ao meu coração de homem.

Como estávamos próximo ao fim do ano e eu iria me formar, pensei em não devolver o livro de Drummond e me dar aquele “presente”, mas depois, com a consciência comovida por nobres escrúpulos, restituí o livro que me não pertencia e fiquei separado daquele amigo que me abrira as portas do reino das palavras.

Ao final do projeto, numa manhã primaveral, eu e uma grande amiga, com quem trocava poemas e que foi pra mim uma grande professora sobre poesia, sentamos para um lanche num shopping próximo a escola. Essa amiga tal qual uma tutora, me apresentou outros tantos poetas; através de suas cópias – ela adorava copiar poemas e me mostrava alguns – conheci Neruda, Chico Buarque e, sobretudo, Manoel Bandeira. Mas nessa manhã, enquanto lanchávamos, fui surpreendido por um presente de suas mãos que carreguei para todos os lugares e que virou meu companheiro inseparável para todas as minhas parcas reflexões poéticas. Em um dado momento, ela tirou da bolsa uma edição da Antologia Poética de Drummond. Uma edição do selo Sabiá da Livraria José Olympio. Eu não soube o que dizer e minha cara de espanto não deve ter sido das menores, pois ela também se assustou com o quanto fiquei feliz com um livro usado.

Ao longo desses anos, sobre esse livro me debrucei incontáveis horas, noites inteiras; em momentos de felicidade e de tristeza. Em Drummond bebi dos versos mais profundos e singelos servindo sempre de amparo, inspiração e modelo. Outros livros vieram, outros autores, mas Drummond permaneceu sendo o porto seguro, o dicionário de respostas de meu confuso labirinto, de meu eterno eu gauche, nas palavras do poeta.

Esse exemplar da Antologia é mais velho que eu, e olha que já nem sou tão garoto assim, e dessa forma já não o uso tanto para eternizá-lo o máximo que puder contra traças e oxidações. Mas seus versos ecoam vivamente em minha mente e Drummond segue sendo meu poeta favorito, sem prejuízo dos demais. Mas essa anedota toda, toda essa reminiscência é para que nesse trinta e um de outubro, em todos os trinta e um de outubro, em todos os dias do ano, em todos os dias da vida, aquele sorriso paternal seja lembrado e louvado na eternização de seus versos que nos botam “comovido como o diabo”.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

SOPRO SUDOESTE

É turvo o horizonte
poluído
da cidade poluída

eu mesmo poluído
pelos idos
de não sei por onde
ido

Natimorto, notívago
vago
que de vagar
bem pouco é
como despojo

Que é de rosa dos ventos?
Que é de leste e oeste?
Nenhuma carta,
náutica
agora me adiantaria

Somente o vento
a me levar por onde sopra
eu que sou sopro
eu que sou sopa
de fluidos, vísceras e nada

Esse éolo consolo
é ora o solo
com que consolo

o horizonte turvo
poluído
da cidade poluída

por onde não sei
onde hei
onde andei
andarei?

domingo, 9 de outubro de 2011

CONFORMAS

O que conforma a forma?
O que forma conforma?
O que com forma forma?

Meu conformismo de tudo
Meu conformismo de mudo
fui reclamar
e me conformei

ao cheiro das coisas
do pouco dinheiro
do gosto da ceia
das rugas chegantes
ao vento que sopra
cortando a colina
cortando meu riso

à falta de vontade
que a tudo aniquila
o meu conformismo
minha conformação
tão quieta e errante
que a tudo soçobra

meu verso esquisito
mesmo é conformado
da forma inexata
do exato conforto
da forma conformada.