quinta-feira, 26 de abril de 2012

A FORÇA DO HÁBITO

Eu devo me habituar ao silêncio
devo me habituar que não saiba
devo me habituar a adivinhar teu café
com que roupa vai à rua
se usa o mesmo perfume

devo me habituar a ser oculto
enquanto mergulho nos teus pequenos olhos
quando pressinto o movimento do teu cabelo
quando antevejo teu perfume
poluindo minhas narinas

devo me habituar a esperar o melhor momento
de quebrar o gelo
de dizer o inefável
de tocar, furtivamente, tua pele
de contar as mais tolas piadas

devo me habituar a observar teu caminhado
teu pisar pronado, teu passo curto
enquanto olha o limo das calçadas
a procurar o quê?
a imaginar o quê?

A imaginar meus estranhos hábitos?
a ponderar a impossível hora que nunca chega?
a adivinhar meu eu tão ocupado
do teu eu passante eflúvio?
Ou a perder esse olhar que nunca me entregará?

devo me habituar a vaga chance
a esse caminhar por entre
demonstrando nenhuma intenção
do recheio que encerra toda elas
nessa onda prelúdio do naufrágio

devo criar o hábito pela força
por pura fraqueza
ou por fraqueza pura
pois do fraco e do forte que em mim vê
é pura força do hábito.

terça-feira, 17 de abril de 2012

REVELAÇÃO NUMA NOITE DE ABRIL

Quando a ponta da faca
é um muro
quando o muro que em cima
é uma corda bamba
quando meu teto estilhaça
em navalhas de vidro

quando o vidro
translúcido
reflete um sol opaco

eu mesmo vejo
ou sinto
pressinto
tardiamente

tudo escondido
tudo mal contado
a caneta que escreve
sangra sua tinta
escarlate
num alvo papel manchado

Eu queria te dizer
eu devia te dizer
mas cansei de te dizer

Não há conhaque que comova
não há verso que resolva
tanto faz
se há pernas suas cores difusas
nada se esclarece
nas casas, nas tardes
em que escondemos
nossas verdades medrosas
nosso suspiro
raivoso
pro que não se revelará.