quarta-feira, 28 de agosto de 2019

ARMISTÍCIO

Ainda chove
a canhoaria ecoa lá fora
há guerra!
sobretudo de palavras
que perfuram espíritos, finas balas
afiadas baionetas de ideias inconciliáveis

Nada importa que sangre
que chore
ou queime
que não queime mais que a certeza
que a lágrima cristalina do ponto
de vista
que sangue rival desça aos borbotões
por uma escada de degraus irregulares

de sabores mais destaque à vendetta
fria ou quente, tanto faz
que de comê-la tanto se apraz
sentado ao sol, à chuva
à esquerda ou à direita.

Sobeja a fome
e o escárnio
de se comer com dentes à mostra

Nas trincheiras apreensão
soam longe os canhões
ou batem à porta?
já entraram pelas escolas?
circulam nas ruas?
estão nos postos de gasolina?
na próxima esquina?

De que matéria é feita esse inimigo?
soube que de tessitura muito parecida a homens
parece com o colega ao lado
com a minha própria carne se parece
disseram que sofrem dos mesmos achaques
da gente comum do meu bairro
vão ao mesmo posto de saúde que nossos filhos
também levar seus filhos a curar pústulas e outras coisas da meninice
no mesmo banco de igreja se sentam
talvez teçam as mesmas orações inseguras
de todos sob teto sagrado.

Ainda chove lá fora
às vezes chove aqui dentro
tiros e canhões seguem sua orquestração desarrumada
esperar?
talvez
por um raio de sol
por uma trégua
talvez
passar a ação

Hoje de manhã um menino colheu flores
na escola deu ao soldado
deu ao colega do time de futebol rival
deu a professora
deu a menina do sorriso lindo e que ele gosta
e ainda que continuasse a chuva interminável
abriu um sorriso
por que ele sempre soube
que não pode chover para sempre.

quinta-feira, 15 de agosto de 2019

COMPROMISSO

Nenhum dia sem uma linha
nenhum dia
cada linha
incerta, insegura

cada passo em falso
de falsa aventura
ofício feito
de linha a linha

de cada erro
de quem caminha
estrada fugidia
de pedras amarelas

roxas, rosas
quaisquer querelas
de se cumprir um desafio
de compromisso inexato

de a cada dia contar
nem sempre um fato
nem sempre um sonho
nem sempre um canto

mas de contar remendado
que seja esse manto
mas de a cada dia
de a cada linha

de nenhum dia
na vida minha
deixar sem que deite
a sua linha.