segunda-feira, 28 de março de 2011

ABSINTO

Mais uma manhã num tom sinistro se levantava com um sol avermelhado dentro de um horizonte rosa inquietante. Na planície, a palidez permanente da matéria que se desfazia num movimento oculto e silencioso. Perto do pátio central da antiga usina algo chamou a atenção da criança. Uma pequena forma retorcida parecia emergir do solo sem vida. Suas cores destoantes do entorno monótono chamaram atenção da criança que no seu passo cambaleante se aproximou para entender a estranha forma.

Ele não sabia o que era, jamais vira algo parecido. Uma espécie de planta, mas a criança não sabia que era isso, lutava para se levantar de dentro da terra. Uma espécie de caule bipartido de um verde baço e empoeirado se contorcia por uns dez centímetros acima do solo. No topo do caule em cada uma das pontas uma espécie de flor de pétalas ásperas e irregulares como se fossem feitas de papel crepom. Era de uma cor que flutuava entre o laranja e o amarelo sem que ficasse bem definida. A criança se aproximou com profunda curiosidade. Abaixou-se com certa dificuldade, suas articulações não eram firmes e um reumatismo precoce fazia com que sentisse dores ao flexionar os joelhos. Contemplou ainda por um tempo a estranha flor com a astúcia típica das crianças.

Era o primeiro ser vivo que brotava naquele solo saturado num intervalo de trezentos anos. A criança com seu curto braço tentou tocar a flor, seus curtos e deformados dedos estranharam a textura; as pétalas enrijecidas, o caule igualmente duro e pouco flexível. Debruçou-se sobre o seu único braço flexionando o cotovelo na tentativa de farejar o estranho ser. Com leves fungadas sentiu um pequeno ardor a queimar suas narinas; um cheiro ácido, amargo e ardente ao mesmo tempo fustigou seu insipiente olfato. Afastou-se. Espirrou. Não era uma sensação boa.

Mais uma vez, agora sentada ao lado da triste flor, a criança tentava mais uma vez toca-la atrapalhada pela limitação de seus próprios movimentos. No instante em que estava prestes a sentir mais uma vez a aspereza das pétalas um vulto alto e manco aproximou-se:

— Não mexa nisso! Pode te fazer mal!

— Mas mãe?! – resmungou a criança.

— Vamos logo. O sol já se levantou bastante, temos que nos proteger!

A criança levantou-se com dificuldade e seguiu igualmente manca a sua mãe em direção do velho abrigo para se proteger do sol que já àquela hora começava a produzir pequenas queimaduras em sua pele.

O pátio da velha usina permaneceu só. Silencioso. Mergulhado em sua tristeza fúnebre onde um antigo reator nuclear queimava silenciosamente seu eterno combustível consumindo inclemente o mundo a sua volta. Enquanto isso, aquela horrenda flor, plantada pelo mistério da vida, debochava, também de forma silenciosa do poder do átomo.