segunda-feira, 30 de maio de 2011

UM NOVO ÉDEN E SEU FRUTO PROIBIDO

Assistimos há alguns dias o lançamento do novo tablet daquela marca da maçã mordida. É aquele mesmo... a segunda versão, arvorado como mais leve, mais rápido, mais isso e aquilo e que solucionará todos os seus problemas. Ao adquiri-lo você abandonará por completo o uso de papel; não sei como irá ao banheiro, mas talvez por isso esse tablet seja o número dois. Enfim, assistimos pela televisão o frenesi das pessoas ávidas por adquiri-lo, e pior, no desesperado afã de serem os primeiros a fazê-lo.

Muitos dormiram em fila, empurraram-se, afobaram-se, não pensaram o custo e menos ainda a necessidade. Um rapaz chegou a ser entrevistado por uma emissora de televisão, pois ele havia sido o primeiro a comprar o já mítico equipamento. A entrevistadora perguntou a ele qual era a sensação de ser o primeiro a torrar seu dinheiro com aquele aparelho a que ele respondeu sem titubear e ainda repetiu a afirmação: “Realizado!”.

Ora, quando terminamos uma faculdade depois de muitos anos de esforço, privações e provações, nos sentimos realizados; quando percebemos que após muita dedicação, amor e trabalho nossos filhos estão prontos pro mundo, nos sentimos realizados; quando conquistamos um amor, nos realizamos; quando olhamos para trás e temos uma história de luta, derrotas e vitórias pra contar, às vezes, nos sentimos realizados. Mas hoje é tudo mais fácil. Basta dormir numa fila, torrar algo pouco mais que uns mil e tantos reais comprando o mais novo lançamento de computador, que provavelmente em menos de um ano estará obsoleto, para nos realizarmos numa efeméride de ser o primeiro nisso.

Isso ocorre, pois, os pensadores do mercado desenvolveram uma grande habilidade em transformar desejo em necessidade. O desejo ainda que forte, pode ser controlado e se não atendido pode ser substituído por outro desejo criando uma relação saudável com as coisas desejadas, mas a necessidade, se não atendida, quando não nos consome por inteiro – por exemplo, a necessidade de comer – permanece latente até que possamos atendê-la. Fenômenos como tablets, celulares e outros tantos itens de não primeira necessidade são as vedetes de nosso modus vivendi e vão transformando o mundo, não apenas pela revolução tecnológica que proporcionam – e isso é um ponto positivo nos posicionando sempre num novo patamar tecnológico – mas vão transformando as relações humanas onde as coisas passam a ocupar cada vez mais espaço no arcabouço de valores elegidos para formação de caráter. Ter se torna mais importante que ser. O processo de viver, construindo com um duro aprendizado, um ser humano melhor, dá espaço a luta por obter uma capacidade de consumir cada vez mais e de maneira mais rápida.

Oportuna é a marca. Uma maçã já mordida. Tal qual a fábula de Eva e a maçã proibida que subverteu no Éden os valores até então estabelecidos jogando a humanidade num curso histórico de sofrimento e opressão, essas novas maçãzinhas também vem provocando suas mudanças, talvez não tão trágicas quanto a do Éden, mas suficientemente profundas, alterando de maneira definitiva nossas percepções a cerca de coisas verdadeiramente necessárias.

Um comentário:

lu disse...

Otima critica!!